A DEMOCRATIZAÇÃO
Objectivos da Revolução de 25 de Abril de 1974
Sou o Chefe de Estado dum país que, depois de humilhado por meio século de ditadura, soube iniciar na longa noite de 25 de Abril uma revolução sem sangue que outros classificaram de a mais pura do século. Estamos perfeitamente determinados a salvaguardar a pureza dos principais objectivos revolucionários:
- Devolver ao Povo Português a dignidade perdida, implantando condições de vida mais justa, com instituições democráticas pluralistas legitimadas na vontade do povo livremente expressa;
- Iniciar o processo irreversível e definitivo de descolonização dos territórios sob administração portuguesa. Não mais admitiremos trocar a liberdade de consciência colectiva por sonhos grandiosos de imperialismo estéril.
A nossa revolução, iniciada com o 25 de Abril, apesar de embaraços e dificuldades, continua a demonstrar o alto civismo do Povo de Portugal.
[...] Nestas condições, estou à vontade para afirmar solenemente que o Governo Português tem intenção e capacidade para cumprir, na letra e no espírito, a Carta das Nações Unidas e todos os compromissos internacionais, políticos, comerciais ou financeiros a que se encontra vinculado.
Discurso do Presidente da República Portuguesa, Costa Gomes, na ONU, em 19 de Outubro de 1974
A Revolução de 25 de Abril permitiu o usufruto pleno dos direitos e liberdades há décadas suprimidos.
A extinção das instituições de tipo fascista preconizada no Programa do MFA foi realizada de imediato.
A realização de eleições livres, por sufrágio directo e universal seria a base do futuro regime democrático. A criação das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e de um poder autárquico realmente democrático seria também obra da Revolução.
Finalmente, o processo de descolonização, um dos principais objectivos da Revolução de Abril seria levado a cabo durante o ano de 1975, no meio de grande agitação política e social.
Uma onda reivindicativa varre o país de lés a lés, abrangendo todas as causas, todos os sectores de actividade. Sob as mais diversas formas, através da imprensa e dos mass media em geral, das manifestações e comícios, da ocupação da propriedade, da criatividade artística, o povo português experimenta a doce embriaguês da liberdade. Ao mesmo tempo, a participação activa na vida política consciencializa os cidadãos do seu papel na transformação da sociedade. É o tempo da constituição dos partidos políticos e da organização dos trabalhadores em sindicatos livres.
Em todo este processo democratizante, o papel do MFA revela-se fundamental. Movimento responsável pelo derrube da ditadura, atribui-se a si próprio altas responsabilidades no processo de transição para a democracia. Primeiro, através da Junta de Salvação Nacional, da qual sai o Presidente da República.
Posteriormente, na vigilância que exerce sobre o processo revolucionário, para impedir a contra-revolução, através da criação do Conselho da Revolução e do Pacto MFA – Partidos. Procurando criar uma consciência cívica nos portugueses que facilitasse a construção de uma sociedade socialista, o sector mais esquerdista promoveria uma intensa campanha de dinamização cultural e política.
Os presentes do MFA
Cartaz alusivo ao papel do MFA na democratização do país: democracia, liberdade, dinamização cultural e cultura (soldados da esquerda); paz, direito à greve, prestígio internacional, liberdade de imprensa, educação justiça, descolonização, saneamento, eleições livres e resistência.
Os Partidos Políticos
Embora não previstos no imediato pelo MFA no seu programa, que falava apenas na formação de "associações políticas", os partidos substituem-se progressivamente aos militares como sustentáculos do novo sistema político surgindo, poucos dias após o 25 de Abril, já verdadeiros partidos políticos à luz do dia. O I Governo Provisório, formado a 15 de Maio, integra mesmo os líderes dos mais importantes partidos já no terreno.
Partido Socialista (PS), fundado em 19 de Abril de 1973, na RFA
Embora não previstos no imediato pelo MFA no seu programa, que falava apenas na formação de «associações políticas», os partidos substituem-se progressivamente aos militares como sustentáculos do novo sistema político surgindo, poucos dias após o 25 de Abril, já verdadeiros partidos políticos à luz do dia. O I Governo Provisório, formado a 15 de Maio, integra mesmo os líderes dos mais importantes partidos já no terreno.
Partido Popular Democrático (PPD), fundado em 6 de Maio de 1974
Situado no lugar mais à direita do espectro político com futuro assento parlamentar, o CDS experimentou sérias dificuldades na sua implantação e mesmo sobrevivência. Por se demarcar da via socialista proposta para o país, defendendo a democracia liberal e a propriedade privada, foi, desde cedo, conotado com as forças reaccionárias, ligadas ao antigo regime.
Partido do Centro Democrático Social (CDS), fundado em 19 de Julho de 1974
O I Congresso do CDS, realizado no Palácio de Cristal no Porto, em 22 de Janeiro de 1975, motivou grandes manifestações de protesto, levando mesmo ao cerco aos congressistas e seu sequestro, bem como a situações de violência. Os congressistas só sairiam sob escolta das tropas entretanto chamadas para restabelecer a ordem. Ao mesmo tempo, as sedes do partido eram alvo de ataques de grupos extremistas, tendo de ser protegidas pelas Forças Armadas. O CDS era visto como um partido que congregava no seu seio as forças reaccionárias, saudosistas do regime fascista.
Ao mesmo tempo, as sedes do partido eram alvo de ataques de grupos extremistas, tendo de ser protegidas pelas Forças Armadas. O CDS era visto como um partido que congregava no seu seio as forças reaccionárias, saudosistas do regime fascista.
I Congresso do CDS, Porto, Palácio de Cristal, 22 de Janeiro de 1975 (à esquerda) e ataques às sedes do Partido (à direita)
Situados à direita do sistema político-partidário, pequenos partidos procuram obter um lugar na Assembleia Constituinte, mas nunca conseguiram atrair um eleitorado com um mínimo de significado estatístico. De facto, o CDS era o partido que congregava todos aqueles que se identificavam com o liberalismo, recusando o socialismo democrático ou mesmo a social-democracia, seguindo a ideologia democrata-cristã, muito em voga em certos países da Europa ocidental, como a Itália.
À esquerda dos partidos socialista e comunista, há todo um conjunto de forças radicais que vivem, no período pré-constitucional, a sua época de glória: marxistas tradicionais, trotskistas, maoístas, há partidos para todas as tendências. Estes, impossibilitados de assumir o poder pela via do sufrágio, procuram nas acções de rua a legitimação dos seus ideais.
Movimento Democrático Português
União Democrática Popular
Movimento de Esquerda Socialista
Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado
Frente Eleitoral Comunista (Marxista-Leninista)
Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa
O Sindicalismo
Sindicatos livres começaram a ser formados em todos os sectores de actividade, em paralelo com as Comissões de Trabalhadores. A CGTP – Intersindical Nacional (cuja fundação data de 1970) e a UGT (União Geral dos Trabalhadores) são as duas confederações de trabalhadores que existem na época. A luta pela unidade sindical, defendida em primeiro lugar pelo PCP, em torno da Intersindical, motivaria uma acesa luta entre comunistas e os partidos socialista e outros à sua direita.
A acção dos sindicatos originaria uma onda de greves que varreu o país, permitindo a melhoria das condições salariais e de trabalho. A título de exemplo, uma das primeiras conquistas foi a institucionalização do salário mínimo nacional, em 1974, que se fixaria nos 3 300$00, representando um importante aumento do poder de compra.
A Liberdade de Expressão
O 25 de Abril, ao pôr termo ao Exame Prévio, permitiu a grande expansão da imprensa. Jornais de todos os quadrantes políticos fazem o seu aparecimento, o que possibilitou a formação de uma opinião pública mais esclarecida e, sobretudo, mais militante.
A liberdade de imprensa, vista por João Abel Manta
No contexto da liberdade de imprensa, a caricatura, nomeadamente a de cariz político, foi utilizada de forma modelar por todas as correntes de opinião – os principais intervenientes no processo político não escaparam ao traço, por vezes cruel, dos cartonistas.
Os ventos de liberdade chegam também ao mundo do espectáculo. Filmes até então proibidos, como «O Último Tango em Paris» ou «Laranja Mecânica» são tremendos êxitos de bilheteira. O país descobria um novo mundo, até então inacessível. O que, até então, era proibido, passa a ser admirado, independentemente da sua qualidade.
Primeiros nus (1974) e primeiros espectáculos de travestis (1976)
As ruas enchem-se de cor. Os partidos aproveitam ao máximo os muros e paredes para darem largas à criatividade. Tintas e pincéis tornam-se instrumentos fundamentais de acção política, sobretudo por parte dos partidos mais à esquerda do sistema. Todas as causas são dignas de empenhamento. A Revolução de Abril abriu os horizontes dos portugueses, fê-los perceber a importância da reivindicação, da acção nas ruas. Nos primeiros tempos da democracia, o empenho cívico é extraordinariamente elevado – todos os ideais, todas as utopias são possíveis.
A ocupação é uma forma de contestação à propriedade tradicional, muito em voga ao longo de 1975, feita com o beneplácito do sector mais radical do MFA, corporizado, entre outros, em Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente).
Ocupação de Fábricas e de casas
Ocupar é destruir o conceito de propriedade capitalista e dar força ao proletariado, à boa maneira do marxismo. Fábricas, terras, quintas, casas, escolas, juntas de freguesia, etc., são ocupadas. Parte-se do princípio de que as leis do país só são para cumprir desde que não contrariem o espírito revolucionário, ou que os trabalhadores têm sempre razão.
A revolução de Abril e a liberdade conquistada levaram a que muitos trabalhadores, por intermédio das respectivas Comissões, então formadas, ocupassem as empresas e saneassem os patrões ou administradores, tidos como fascistas ou reaccionários. É já o início da radicalização da revolução.
A mudança de mentalidades a nível familiar foi outra das grandes transformações trazidas por Abril. A um modelo de família assente na autoridade do homem, sucede um outro baseado na igualdade de direitos e partilha de tarefas.
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